Reich e a transferência negativa

Reich, assim como Lacan, ampliou o que Freud deixou sobre transferência. Em especial sobre um tema que Freud citou, mas deu pouca atenção: a transferência negativa.

Em seu livro Análise do Caráter, na primeira parte, que é dedicada somente à explanação da técnica terapêutica, há um capítulo inteiro falando “Sobre o manejo da transferência”. Esse capítulo tem cinco itens. Vejamos como ele começa:

1. A destilação da libido objetal genital

No decorrer da análise, o paciente “transfere” para o analista atitudes infantis que sofrem múltiplas transformações e cumprem funções definidas. O manejo dessas atitudes transferidas cria um problema ao analista. A relação do paciente com ele tem tanto uma natureza positiva como negativa. O analista precisa levar em conta a ambivalência de sentimentos e, sobretudo, ter em mente que, mais cedo ou mais tarde, todas as formas de transferência se tornam uma resistência, que o próprio paciente não está em condições de resolver. Freud enfatizou que a transferência positiva inicial apresenta uma tendência para se transformar de repente numa transferência negativa. Além disso, a importância da transferência é evidenciada pelo fato dos elementos mais essenciais da neurose só poderem ser obtidos pela transferência.” (pág. 125)

Mais à frente, na página seguinte, há um trecho que diz:

… Um exame mais detido dessas indicações iniciais da chamada transferência positiva, isto é, a concentração dos impulsos sexuais libidinais objetais sobre o analista, mostra que, com exceção de um certo resíduo correspondente aos lampejos de elementos rudimentares de amor genuíno, elas implicam três coisas, que pouco tem a ver com empenhos libidinais …

  1. transferência positiva reativa, isto é,

  2. uma atitude devocional para com o analista, indicativa de um sentimento de culpa ou de um masoquismo moral.

  3. transferência de desejos narcísicos, isto é, a esperança narcisista de que o analista ame, console ou admire o paciente.

… se não forem desmascarados a tempo.” (pág. 126 e 127)

Interessante destacar para nossa discussão o que Reich fala no item 5 – “Algumas observações sobre a contra-transferência”:

Sem entrar em todo complexo de questões, vamos ilustrar o problema da contratransferência com alguns exemplos típicos. Em geral é possível reconhecer, pelo modo como o caso avança, se e em que aspecto a atitude do analista é deficiente, isto é, esta perturbada por seus próprios problemas psicológicos. O fato de alguns casos nunca produzirem uma transferência negativa afetiva deve ser atribuído não somente ao bloqueio do paciente, como também ao do analista. O analista que não resolve o recalque de suas próprias tendências agressivas será incapaz de realizar esse trabalho satisfatoriamente com os seus pacientes e poderá até desenvolver uma má vontade afetiva em relação a uma avaliação intelectual precisa da importância da análise da transferência negativa. (…)

A contrapartida disso é a incapacidade caracteriológica do analista de enfrentar as manifestações sexuais do paciente, isto é, sua transferência positiva, sem se envolver emocionalmente. Atuando como supervisor, observa-se que o próprio medo que o analista tem das manifestações sexuais e sensuais do paciente muitas vezes dificulta seriamente o tratamento e pode facilmente impedir o estabelecimento do primado genital do paciente. Em condições analíticas normais, as exigências genitais de amor do paciente manifestam-se na transferência. Se o próprio analista está algo confuso com respeito a assuntos sexuais ou não tem ao menos uma orientação intelectual sexualmente afirmativa, seu trabalho como analista certamente ficará comprometido. (…)

Os analistas que experienciam as transferências de seus pacientes de maneira essencialmente narcísica tem tendência de interpretar as manifestações atuais de amor como sinais de uma relação amorosa pessoal. Pela mesma razão acontece muitas vezes que as críticas e a desconfiança do paciente não são adequadamente trabalhadas.”

Percebe-se claramente a importância que Reich dá ao manejo da transferência e em especial à transferência negativa. Mas, tais fatos não são do conhecimento dos somaterapeutas como pude perceber durante os anos em que fiz formação. No cotidiano do trabalho dentro dos grupos, era frequente clientes me comunicarem suas críticas ao método e ao comportamento dos somaterapeutas, embora encontrassem também muitos pontos positivos, tanto que diziam não querer desistir da terapia, só não a achavam perfeita e acabada. É natural que tais críticas chegassem mais facilmente ao assistente em formação do que ao próprio terapeuta. O assistente experimenta uma dualidade cliente/terapeuta nos papéis que vive no grupo.

Tentei levar essa mensagem dos clientes para ser analisada no Coletivo. Mesmo considerando o fato que essas críticas são resistências à terapia, achava importante dar valor a essas reclamações dos clientes que surgiam em forma de “fofoca” para o assistente sobre o comportamento dos somaterapeutas dentro e fora dos grupos. Para mim, que trabalhei com os quatro somaterapeutas formados por Freire, em diferentes cidades, essas informações revelavam em seu conjunto um padrão que, por estar presente no comportamento de todos eles, apontava claramente para um questionamento sobre o método terapêutico.

Havia uma grande resistência do grupo de somaterapeutas do Brancaleone em trabalhar essas críticas dentro das reuniões de formação supervisionadas por Roberto Freire. Não era uma resistência dura e bruta. Era uma resistência lúdica. Geralmente o que acontecia é que os somaterapeutas também faziam fofocas sobre os clientes e seus comportamentos dentro e fora do grupo, rindo e ironizando sobre o assunto. Era uma ótima estratégia para não levar a questão a sério.

Com o tempo, percebi que as críticas dos clientes chegavam mais facilmente a mim porque me mantive aberto a ouvi-las, mesmo estando em processo de formação na técnica criticada. Isso, para mim, nunca foi incoerente. Pelo contrário, me serviu de combustível para ir atrás do conhecimento que me faltava para entender aquelas questões e buscar respostas.

Hoje entendo que a falta de melhor elaboração desses retornos vindos dos clientes se entrelaçava à falta de análise sobre as transferências negativas que ocorriam nos processos terapêuticos dos grupos de Soma, consequência de um grande furo existente na metodologia, ou seja, a falta de estudo, percepção e supervisão dos fenômenos transferenciais que ocorrem no processo terapêutico, se manifestando sobre a forma de afetos positivos e negativos, tanto do cliente para o terapeuta como do terapeuta para o cliente, que representam no momento que surgem tanto a melhor forma de resistência inconsciente à terapia como o único caminho pelo qual o trabalho terapêutico pode prosseguir. Depende do terapeuta a superação desse entrave. Mas, ele só tem condições de agir nesse sentido caso tenha conhecimento teórico e prático sobre a chamada “dinâmica da transferência”. Falta aos somaterapeutas tanto essa teoria quanto a prática em enxergar, reconhecer, analisar e superar seus afetos transferenciais porque Roberto Freire simplesmente descarta o estudo e a análise da transferência em sua metodologia, assim como se coloca radicalmente contra tudo o que venha do método psicanalítico. Acrescenta-se a isso o fato de não ser exigido o curso de graduação em Psicologia para ser somaterapeuta, ou seja, a única fonte sobre esse assunto que chega aos terapeutas em formação vem de Roberto Freire.

É importante enaltecer que Roberto Freire reviu sua postura sobre a Psicologia muitos anos depois de ter escrito os livros Soma 1 e 2. Participei desse momento do Coletivo Brancaleone onde numa reunião Roberto Freire anunciou que era momento dos somaterapeutas se aproximarem da Psicologia. Mas, o ingresso dos somaterapeutas no meio acadêmico tem acontecido pelas vias do mestrado e do doutorado, ou seja, eles não estudam as questões referentes à transferência porque estas são expostas na graduação. Além disso, suas teses são, invariavelmente, de enaltecimento do método da SOMA. Chegam como quem já tem muito a dizer e, com isso, ingressam na Psicologia protegidos de ver o que não aprenderam em sua formação básica de terapeutas. Com isso, digo que mesmo ingressando na Psicologia os somaterapeutas permanecem com furos metodológicos quanto as questões tratadas nesses escritos.

Nos anos em que fiz formação para somaterapeuta, a palavra “transferência” sequer foi citada. Só pude entender a origem dos vários conflitos emocionais que presenciei e nos quais também me emaranhei quando entrei em contato com as idéias de Freud e Lacan e o interesse que tiveram em estudar a transferência e seu manejo no processo terapêutico. Em minha pesquisa sobre os fenômenos transferenciais cheguei novamente a Wilhelm Reich.

Seria muito importante que os somaterapeutas pudessem ter acesso a esses escritos de Reich porque não só os apaixonamentos e simpatias conseqüentes de transferência positiva não eram analisados e, portanto, permaneciam mal resolvidos, nos encontros do Coletivo Brancaleone. Também não eram analisados os sentimentos de estranhamento, raiva, competição, desconfiança, conseqüentes de transferência negativa, tanto dos clientes para o terapeuta como do terapeuta para os clientes. Eram comuns declarações de sentimentos negativos dos somaterapeutas com relação aos clientes. Tais sentimentos eram compartilhados nas reuniões somente como forma de desabafo, como se fossem antipatias normais ou passageiras.

Essa falta de análise das transferências negativas, associada à possibilidade de secessão de qualquer um dos participantes do grupo permitida pelos princípios anarquistas que regem a SOMA, foram ingredientes que misturados protagonizaram momentos confusos de secessão de clientes do grupo. Hoje entendo que esses clientes estavam, à sua maneira, pedindo ajuda, mas o comportamento com que demonstravam isso incomodava demasiadamente terapeutas e/ou assistentes, inconscientes de que estavam passando por processos transferenciais agudos. 

 

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2 Respostas to “TRANSFERÊNCIA 4 – Reich”

    • fabioveronesi Says:

      Resposta a Ruy Takeguma

      À princípio quero dizer que nas primeiras páginas de seu texto existem muitas informações proveitosas. Assim que recebi teus escritos e comecei a lê-los, coloquei o link do teu trabalho no meu, para as pessoas que lessem minha crítica a Soma também pudessem conhecer tua crítica ao meu trabalho. Acho mesmo que críticas bem feitas contribuem para a evolução dos métodos.
      Teu trabalho é extenso e demorei algum tempo para lê-lo inteiro. Infelizmente, quando o li até o fim descobri que em determinado ponto você entra no jogo dos ataques pessoais e não sai mais dele. Tua obra perde o rigor e a validade. É pena. Ou melhor, revela exatamente o que busco apresentar quando digo que você segue radicalmente a utopia de Freire com relação a capoeira e a própria radicalidade.

      A “Crítica à Soma” é apenas um de meus escritos. Está dado. Não gostaria de perder mais tempo com ele, visto que meu universo de produção não gira em torno da Soma. Porém, tuas ofensas a minha pessoa não podem ficar sem resposta. Por isso, sem me estender muito, vou direto à resposta de alguns pontos nos quais você se embasa para me ofender:

      Sim. Eu sou somaterapeuta formado pelo Brancaleone e por Roberto Freire. Isso faz parte do meu currículo de conhecimento e capacidade técnica e me orgulho de ter passado 5 anos fazendo formação. Mesmo optando por não aplicar a técnica, se eu quiser utilizar a metodologia da Soma no seu todo ou em partes eu sou capacitado para isso. Inclusive porque a Soma é uma psicoterapia, apesar do nome tentar negar (e isso é o que justifica minha crítica ao nome, coisa que você diz não entender). Então, se alguém pode ser processado por praticá-la, esse alguém é você que não tem nenhuma formação psi. Além de psicólogo e somaterapeuta, sou também massoterapeuta bioenergético formado por Ralph Vianna. Tenho livre opção por utilizar ou não essas técnicas.

      Sim. Se for necessário, posso comprovar com testemunhas 3 casos de surtos psicóticos havidos em grupos da Soma no período em que fiz formação. Ainda tenho conhecidos que fizeram esses grupos. Os outros 2 casos só ouvi falar, comentados em reuniões do Brancaleone pelos próprios somaterapeutas envolvidos e não por fofoqueiros como você fala sem saber. E reafirmo que nenhum deles mereceu estudo mais profundo no sentido de buscar-se qualquer possível ligação com os processos terapêuticos da Soma que essas pessoas viveram ou estavam vivendo.

      Não. Não foram em grupos coordenados por você, e aconteceram depois de tua saída, embora isso seja mera coincidência pois não te vejo capaz de distinguir os efeitos da resistência à terapia em forma de transferência, visto que sua única formação psi veio do que Freire dizia. Acho mesmo que você não entende nada de transferência e se perdia nas paixões transferenciais assim como todos os outros somaterapeutas. Você tenta dar conta de explicar que não tem confusões com isso, mas só consegue citar várias relações com clientes que confirmam exatamente o que eu disse. Além disso em teus escritos aparece o mesmo preconceito inerente ao método da Soma contra a transferência e outros conceitos vindos da psicanálise e da psicologia.

      Não citei os casos nominalmente por questões éticas. Você não está nem aí para ética, expõe a si mesmo e aos outros em demasia. Nesse teu impulso, você acabou citando nominalmente um dos casos de surto esquizofrênico. Acha ético isso? Já parou para pensar que a pessoa que você citou não só fez Soma como também fez seções individuais com Freire durante um bom tempo? Por isso pense bem antes de ameaçar levar certas coisas a tribunais. Pense bem a quem você vai expor. A mim? Acho que não. Mas a quem merece respeito por não poder mais se defender. Eu acho melhor deixar essas coisas quietas. Porém, é preciso citar o fato de que esses casos aconteceram, assim como buscar entender suas causas relacionadas ao método, para que eles não aconteçam mais.
      O que está posto é minha palavra. Não tenho necessidade de mentir para me afirmar e nem estou fazendo acusações ao léu. Revelo o que acredito ser necessário para que tais coisas sejam repensadas.

      Você diz que se minhas afirmações fossem verdadeiras os familiares de tais pessoas teriam processado a Soma. Pois bem, os somaterapeutas falaram pessoalmente com os parentes procurando lhes dar explicações e dissuadindo-os de tal empreita. Até porque não se pode comprovar os motivos exatos que desencadeiam surtos psicóticos. Além disso, vivemos neste início do séc. XXI uma verdadeira epidemia de esquizofrênia. Exatamente por esses motivos é que bons terapeutas tem uma postura humilde diante da perspectiva de um cliente surtar, e não uma postura arrogante como a que você apresenta, tipo: “É comigo? Vou processar!” Eu afirmo o que afirmo não só porque fui testemunha de tais fatos como também porque pesquisei o fenômeno da esquizofrenia durante anos.

      Você diz que vai me processar???!!! O que você entende de esquizofrenia? Tens alguma experiência comprovada de estágio em qualquer entidade psiquiátrica, seja manicômio, seja nos Centros de Apoio Psicossocial? Você já chegou perto de esquizofrênicos e conversou com eles, sobre seus surtos, suas histórias de vida? Ou você, como a grande maioria das pessoas, só conhece o que vê em filmes, como o citado em tuas análises? E teoricamente, o que você sabe sobre esquizofrenia? Sabe algo das teorias do próprio Reich sobre o assunto? Sabe qual o segmento da couraça neuromuscular do caráter o pós-reichiano Federico Navarro chama de sede do traço psicótico e o seu porquê. Você sabe ao menos a diferença entre psicose e neurose?

      Em nenhum momento afirmei que criei um método imune à possibilidade de provocar surtos psicóticos, como você disse que eu fiz. Não sou ingênuo para afirmar tal besteira. Exatamente por entender um pouco da complexidade desse fenômeno chamado esquizofrenia, por estudar as teorias deixadas por Freud, Lacan, Melanine Klein, Reich, Navarro, David Cooper, Basaglia, Gregory Batesson e Foucault, por ter pesquisado a forma como ocorreram os fatos e as alucinações associadas de mais de uma dezena de casos, e por estagiar durante 2 anos em instituições de saúde pública que cuidam de esquizofrênicos, é que jamais afirmaria que um método terapêutico pode achar-se imune a ser um dos fatores que podem estar relacionados ao desencadeamento de um surto esquizofrênico.
      Talvez você tenha essa ilusão com o teu. Talvez por isso tenha ficado tão indignado a ponto de citar nomes e ameaçar (?!) entrar na justiça. Quem sabe você não encontra um tribunal anarquista para dar coerência a tamanha fantasia e incoerência ideológica. Porém, ao invés de mostrar-se tão indignado, é melhor cair na real sobre as coisas que falo e perceber que você pode sim provocar surtos utilizando a metodologia da Somaterapia de Freire, principalmente da forma radical como você a aplicava quando o conheci. Acho bom também estudar um pouco mais sobre o assunto antes de poder colocar-se como autoridade nele.

      Você é autoridade na história da Soma. Nisso respeito tua autoridade, bem maior que a minha, quando afirma que os encontros de formação da tua época não continham as falhas que eu aponto. Pois bem, acho que deixei claro que eu fui o primeiro somaterapeuta que se formou depois da saída de Freire da linha de frente tanto dos processos terapêuticos que ocorriam nos grupos quanto da supervisão nos encontros de formação. Eu participei de todo o período em que Freire foi se afastando, o que inclui alguns anos sem você. Então, eu falo de coisas que você nem sabe. Você fez formação com os somaterapeutas formados por Freire? Não, você se formou com o próprio. Você sabe como é que os outros somaterapeutas aplicavam o método da Soma em seus grupos? Não, só ouvia falar através de alguns poucos relatos feitos por eles mesmos nas reuniões.

      Não tenho necessidade de mentir para me promover. Minha obra pessoal e minha obra escrita são bem mais amplas do que essas críticas que fiz à Soma. Meu universo não gira em torno de Freire e sua técnica. Mas, tive a ânsia de fazer uma análise científica séria sobre a metodologia de Freire, exatamente para me ver livre da responsabilidade ética com os muitos clientes que a Soma já teve ou possa vir a ter, dando-lhes a opção de entender melhor uma série de confusões emocionais que a Soma pode provocar.

      Acho interessante teu estilo “deixa que eu chuto”, mas não cairei nas armadilhas que são tuas ofensas pessoais me chamando de fofoqueiro, mentiroso e daí para baixo. O que você quer é autopromoção na base da baixaria, via escândalos. Isso se percebe quando se lê teus documentos publicados sobre a cisão com Roberto Freire onde você fala de intrigas por dívidas, empréstimos e coisas do gênero. Nesse teu texto mesmo “resposta a Fabio Veronesi” já fica claro isso. Além de mim, você ofendeu diversas vezes ao próprio Roberto Freire, chamando-o entre outras coisas de mentiroso e caduco.
      Porém, você não tece uma linha sequer de crítica ao método. Somente lhe adorna como os outros somaterapeutas em seus escritos, suas teses de mestrado e doutorado. Você se diz diferente deles, mas nesse ponto é exatamente igual. Dentro ou fora da Academia, são um bando de reprodutores da palavras ditas por Freire, só fazem enaltecer seu método. As únicas controvérsias com Freire que você apresenta são intrigas pessoais e fofocas.
      Você afirma que meus escritos são resultado de mágoas mal resolvidas. Isso é uma clara projeção que você faz de teus próprios sentimentos em relação ao teu rompimento com Freire e com o Brancaleone.

      Minha crítica não é à figura de Roberto Freire, mas ao método. Ela só terminou em 2009 porque tive que fazer uma Faculdade de Psicologia para dar base às coisas que disse. Você dá a entender que fui interesseiro ou covarde porque não apresentei minhas críticas enquanto Freire estava vivo. Não imagino nada mais baixo para se apelar quando não há bons argumentos. Eu não apresentei minhas críticas publicamente antes porque não estavam prontas. Apesar disso, como já citei no próprio texto, o primeiro esboço que fiz dessa obra, com 18 páginas, foi entregue ao Brancaleone antes mesmo de minha saída do grupo. Inclusive foram esses escritos que provocaram minha saída.
      Na época (2003) deixei a critério deles apresentar ou não aqueles escritos a Roberto Freire, visto seu estado de saúde fragilizado. Entendo que aquela era a primeira crítica séria feita a seu método. Gostaria muito que eles a tivessem apresentado a Freire, mesmo ainda imatura como estava. Mantive esse documento restrito ao círculo interno do Brancaleone, do qual você não fazia mais parte. Eles sabem da existência dessas críticas há mais de sete anos. À princípio minha intenção era discutir essas questões com eles, no sentido de rever o método e o processo de formação. Mas, a resposta deles foi um email onde decretaram juntos minha secessão. Até hoje não sei se apresentaram esse esboço à Freire. Isso não importa, visto que seu método sobrevive. Entendo que meus escritos ajudam a manter seu nome em voga, mesmo que apontem no sentido de rever algumas questões do método. Tanto é assim que estamos aqui a falar dele. Porém, procurei não fazer nenhum ataque pessoal a sua figura.

      É preciso entender que depois que você foi secessionado do Brancaleone, eu permaneci ligado a eles ainda por anos. Apesar de ser citado em meus escritos, você não participa de muitas coisas que digo sobre as mudanças que estavam ocorrendo na aplicação do método deixado por Freire. Como eu já disse em meu texto, você manteve a radicalidade na aplicação da capoeira e da própria radicalidade, deixada como orientação utópica de Freire.

      Não esperava mesmo que você concordasse com minhas críticas. Não haveria sentido nisso. As críticas que faço ao uso da Capoeira como “descronificante cotidiano” inviabilizam a eficácia do teu método, o SomaIê.
      Apesar da única foto que você apresentou de Roberto Freire participando de um treino de capoeira (foto histórica mesmo, melhor guardar com carinho) continuo a afirmar, como capoeirista e como quem participou durante anos das rodas de capoeira feitas na Soma, que Roberto Freire não sentiu em seu próprio corpo os efeitos da prática constante de anos de capoeira. A fantástica capacidade descronificante que Freire dá à capoeira, é obra de sua capacidade imaginativa, das qualidades de um ótimo romancista.

      Agora, para afirmar o que afirmei sobre a capoeira, eu me tornei capoeirista, senti os efeitos da capoeira em meu corpo, pratiquei capoeira por dez anos seguidos, adquiri a capacidade de promover uma roda, de ser professor de capoeira e finalmente, mais do que simplesmente aplicar o método da Soma, utilizei a capoeira também como instrumento terapêutico fora do contexto da Soma para pesquisar seus efeitos em usuários do serviço dos CAPs adulto e infantil de Florianópolis em oficinas que mantive por dois anos consecutivos. Tenho publicado artigo científico na Revista Extensio da UFSC falando sobre essa experiência e sobre o uso da capoeira como instrumento terapêutico.
      Para afirmar o que afirmei acerca dos processos de desencouraçamento, não só estudei profundamente a obra de Reich como faço massagem bioenergética e aplico grounding desde 1998, formas de literalmente “por a mão na massa” quando se fala de couraça muscular. Além disso, fiz cursos de especialização em Renascimento e Vozterapia com os criadores desses métodos terapêuticos – Leonard Orr e Sonia Prazeres, respectivamente.
      Para afirmar o que afirmo sobre os conceitos psicanalíticos da resistência e da transferência, fiz cinco anos de graduação em psicologia numa universidade federal e estágio supervisionado de um ano em clínica psicanalítica. Atualmente, além de psicólogo, estou me formando como professor de psicologia.

      Então, Takeguma, posso não estar falando verdades absolutas, até porque isso não existe, mas tenho autoridade, competência e experiência suficiente para dar base a minhas afirmações. Não admito ser chamado de mentiroso, fofoqueiro e outras impropriedades de quem em seus escritos não sabe fazer muito mais do que viver a dualidade de adular a metodologia da Soma e ao mesmo tempo ofender pessoalmente a figura de seu criador.

      Fabio Veronesi


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